Desde o início da pandemia, diferentes estudos mostraram que as formas graves de Covid-19 estão relacionadas à ocorrência de uma inflamação excessiva gerada pelo Sars-CoV-2, mas ainda faltava compreender como esse processo inflamatório se desencadeia e se desenvolve no organismo. A resposta para esse questionamento está em um estudo publicado, nesta quarta-feira (6/4), na revista Nature. A pesquisa foi coordenada pelo grupo de Imunopatologia, da Fiocruz Minas, em parceria com a Escola de Medicina da Universidade de Harvard.
Segundo o estudo, ao entrar no organismo, o vírus Sars-CoV-2 desencadeia a infecção e, para combatê-la, o sistema de defesa é acionado, induzindo a produção de um tipo específico de anticorpo, chamado afucosilado. Esse tipo de anticorpo até consegue neutralizar o vírus e impedir que ele entre nas células epiteliais do pulmão, mas, por outro lado, desencadeia o processo de fagocitose por parte dos monócitos, que são células de defesa do organismo.
Ao fagocitar o Sars-CoV-2, ou seja, ao capturar e digerir o vírus, os monócitos ativam seus inflamossomas, que são complexos de proteínas, que causam a morte desses monócitos infectados, por meio de um processo conhecido como piroptose. Tal processo lança sinalizadores de perigo, indicando que algo está errado. Com isso, o organismo começa a produzir novas células de defesa, desencadeando uma cascata inflamatória.
“Os monócitos em piroptose estouram e liberam componentes que dão sinais de perigo ao organismo. Com isso, o sistema de defesa recruta outras células e, quanto mais recruta, mais inflamação vai ocorrendo. Ou seja, os monócitos conseguem agir abortivamente, de forma a impedir a replicação do vírus, mas isso ocorre por meio do processo de piroptose, que causa uma imunopatologia, que é quando a defesa é prejudicial ao organismo hospedeiro. Isso porque as células que morreram causam uma tempestade de citocinas, gerando mais inflamação”, explica a pesquisadora Caroline Junqueira, coordenadora do estudo.
Na imagem, monólitos infectados com Sars-CoV-2 (crédito: Fiocruz Minas)
Importante salientar que nenhuma das vacinas contra a Covid-19 induz a produção do anticorpo afucosilado. Tal tipo de anticorpo é gerado somente pela infecção, confirmando que há diferença na estrutura do anticorpo produzido pela vacina, conforme já relatado em estudos anteriores. Assim, os resultados da pesquisa, além de abrir a perspectivas para os tratamentos da Covid-19, reforçam também a importância da imunização.
“Muitas pessoas pensam que é bom pegar a Covid-19 para se tornar imune. A questão é que, nesse caso, a pessoa vai correr o risco de ter uma inflamação sistêmica. Com a vacina, não tem essa possibilidade. Nossa pesquisa constatou que o plasma de indivíduo vacinado não induz a produção do anticorpo afucosilado. Ou seja, a infecção gera anticorpos maléficos, e a vacina produz anticorpos benéficos”, destaca a pesquisadora.
Em relação ao tratamento, a pesquisadora ressalta que os resultados do estudo trazem boas perspectivas, uma vez que há potenciais candidatos a medicamentos, que poderão inibir os mecanismos de morte celular inflamatória.
Para realizar o estudo, os pesquisadores fizeram diferentes análises em amostras de sangue de pacientes com a Covid-19 e também de indivíduos saudáveis vacinados, de forma a comparar os resultados. Agora, novas pesquisas poderão ser desenvolvidas, visando correlacionar a gravidade da doença à quantidade de anticorpos afucosilados produzidos.
“Em outra pesquisa que será publicada em breve já constatamos que, em modelos de camundongos humanizados, ao eliminar o vírus, a inflamação permanece. Outros estudos a serem feitos poderão detalhar ainda mais esse processo inflamatório e suas consequências”, afirma Junqueira.
As informações são do Portal da Fiocruz.