A cobertura vacinal no Brasil vem despencando nos últimos dez anos, deixando a população – especialmente o público infantil – mais vulnerável a doenças que já estavam erradicadas no país, como sarampo e poliomielite, e que podem deixar sequelas ou causar mortes.
Embora o índice de vacinação ideal seja acima de 90%, as taxas gerais de imunização têm ficado abaixo desse valor desde 2012, chegando a 50,4% em 2016. No último ano, a porcentagem foi de 60,7%, segundo informações do DATASUS do Ministério da Saúde.
A vacinação é a forma mais efetiva para a eliminação de uma doença viral e as consequências dos baixos índices de imunização não podem ser ignoradas. “A curto prazo, no caso de uma pandemia como a que vivemos, a redução da vacinação torna impossível controlar a disseminação do vírus e, portanto, eliminar ou diminuir os índices de pessoas doentes. A longo prazo, pode ocorrer a reemergência de um vírus, além de impedir o controle da doença”, explica a diretora do Laboratório de Biotecnologia Viral do Instituto Butantan, Soraia Attie Calil Jorge.
Doenças potencialmente fatais para crianças podem ser evitadas com vacinação
Um dos principais imunizantes do Programa Nacional de Imunizações (PNI) é a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola), que registra números de cobertura insuficientes desde 2017. Naquele ano, o indicador registrou 86,2%; em 2021, a cobertura caiu para 71,4%. Esse decréscimo na vacinação vem contribuindo para o surgimento de novos surtos de sarampo, uma doença altamente contagiosa, transmitida por gotículas respiratórias, que provoca sintomas como tosse, coriza, olhos inflamados, dor de garganta, febre e irritação na pele com manchas vermelhas. Em casos mais graves, pode causar pneumonia e inflamação no cérebro.
Já a procura pela vacina contra poliomielite, o imunizante de gotinhas, caiu de 96,5% em 2012 para 67,6% no último ano. A doença foi considerada erradicada no Brasil em 1989, quando ocorreu o último caso, mas a queda da imunização coloca em risco esse avanço. Os sintomas da poliomielite incluem febre, dor de cabeça, de garganta e no corpo, vômitos, diarreia, constipação (prisão de ventre), espasmos e rigidez na nuca. O vírus pode atingir o sistema nervoso e causar paralisia permanente nas pernas ou braços.
Outra vacina aplicada no público infantil é contra o rotavírus, que provoca uma infecção no trato digestivo e é a causa mais comum de diarreia grave com desidratação em crianças pequenas entre três e 15 meses de idade. O vírus causa aproximadamente 215 mil mortes por ano no mundo em meninos e meninas com menos de cinco anos, principalmente em países em desenvolvimento. Os índices de vacinação contra o rotavírus no Brasil reduziram de 86,3% em 2012 para 68,3% em 2021.
As raízes do movimento antivacina e como combatê-lo
Segundo a pesquisadora Soraia Jorge, o movimento antivacina surgiu em meados do século XIX, quando alguns críticos se posicionaram contra a imunização utilizando argumentos teológicos e fraudes científicas. Na época, surgiram ligas antivacinação, especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, que brigavam pela eliminação da vacina contra a varíola.
O caso de maior repercussão foi um artigo científico publicado na revista The Lancet em 1998, onde o autor Andrew Wakefield sugeria uma relação entre o autismo e a vacina tríplice viral. “Tempos depois esse trabalho foi contestado, pois se descobriu que o médico possuía contato com advogados que queriam processar fabricantes de vacinas e que ele também havia alterado dados dos pacientes”, afirma Soraia.
Diante de um contexto de fake news, em que a desinformação é disseminada continuamente, a atenção à educação e a estratégias para incentivar o interesse pela ciência são cada vez mais importantes. “Para que as pessoas possam ter a capacidade de discernir informações verdadeiras e falsas, é preciso ter educação de base, especialmente aplicada às áreas de conhecimento científico. Políticas públicas que aproximem a população em geral de Universidades e Centros de Pesquisa, como o Instituto Butantan, certamente colaborarão para a melhoria deste cenário”, reforça a pesquisadora.
Matéria do Instituto Butantan.