A meningite meningocócica é uma doença endêmica, aguda, grave e de rápida evolução. Nesse sentido, a biomédica Debora Santos estabeleceu uma estratégia alternativa inédita, simples, mais ágil e barata para monitorar a Neisseria meningitidis, bactéria causadora da enfermidade. “A identificação da N. meningitidis, a mais precisa possível, é fundamental para definir as estratégias para seu enfrentamento, como pensar questões de vacinação ou antecipar medidas sanitárias a serem adotadas para impedir que a infecção se prolifere”, explica a pesquisadora, que trabalha no Instituto de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz).
Reconhecer com precisão a N. meningitidis não é tarefa simples. Até o momento, sabe-se que a bactéria se subdivide em 12 variantes, conhecidas como sorogrupos. Estes são classificados por letras. Por exemplo, B e C classificam os sorogrupos das cepas mais conhecidas e frequentes no Brasil – há outros, como o W, menos conhecido, porém terceiro em importância e mais presente no Sul do país.
Cada sorogrupo exige uma vacina específica, de modo que alguém que tenha sido imunizado contra a meningite do sorogrupo C não estará protegido contra a do B. Ademais, cada sorogrupo também pode conter complexos clonais, dessa vez identificados por números. Ou seja, uma N. meningitidis do sorogrupo C, complexo clonal 11 (isto é, cc11) guarda, por exemplo, algumas diferenças em relação à outra, do mesmo sorogrupo, mas do complexo clonal 103 (cc103).
Santos explica que monitorar a “disseminação dos clones já existentes, assim como recombinações genéticas que possam resultar em novas linhagens de N. meningitidis, é fundamental para subsidiar ações específicas de vigilância em saúde para a prevenção e contenção de surtos”.
Até aqui, os complexos clonais são identificados por um método molecular chamado Multilocus Sequence Typing (MLST). Por meio dele, são sequenciados sete genes do DNA da bactéria, o que permite a tipificação da cepa e de seu respectivo complexo clonal. Contudo, o equipamento e os reagentes necessários para a realização do MLST são custosos para a negligenciada realidade da saúde brasileira.
Diante disso, Santos pensou em uma alternativa: padronizar um outro método, chamado qPCR-HRM, para realizar a triagem dos principais complexos clonais que circulam em nosso país. A maior vantagem dessa nova alternativa está nos custos, já que exige reagentes e equipamento mais baratos, em comparação aos necessários para o MLST. Adicione-se, a maioria dos Estados brasileiros já possui máquinas que possibilitam o qPCR-HRM.
E como ele funciona? Antes da análise, Santos determina – como padrões genéticos – os complexos clonais que quer identificar. Por exemplo, pode-se tomar por padrões os cc32 e cc41 do sorogrupo B e os cc11 e cc103 do sorogrupo C, muito comuns no Brasil. Com isso em mãos, realiza-se o qPCR-HRM e faz-se a comparação dos resultados com os padrões. Se o resultado encontrado for compatível, consegue-se identificar o complexo clonal da cepa testada; do contrário, deve-se estar diante de um complexo clonal diferente; e outras análises deverão ser feitas, dessa vez com o método MLST. “Além de mais simples e barato, o qPCR-HRM é também mais rápido que o MLST, o que é essencial quando ocorre algum surto de meningite”, afirma a pesquisadora. Diga-se mais, o qPCR-HRM é adaptável. Ou seja, para a realidade de outros países, basta mudar os padrões dos clones que se deseja investigar. Além disso, a metodologia também pode ser ajustada para identificar outros microrganismos e com isso auxiliar em ações de vigilância em saúde de outras doenças infecciosas.
O trabalho de Santos é fruto de seu doutorado, intitulado Estratégia genômica para controle epidemiológico de ‘Neisseria meningitidis’ por meio de tipificação genética baseada no perfil de dissociação de DNA de alta resolução e sequenciamento genômico: implicações nas ações de vigilância em saúde de doenças infecciosas.
O tema do estudo foi sugerido pelo curador da Coleção de Bactérias do INCQS/Fiocruz, o biólogo Ivano de Filippis, que acabou por se tornar orientador de Santos. A pesquisa foi defendida com sucesso no programa de pós-graduação do INCQS em 2022 e já rendeu duas publicações em revistas científicas internacionais.
As informações são da Agência Fiocruz de Notícias.