A copeira-chefe do Instituto Butantan Maria Laisse Gonçalves de Almeida, de 54 anos, foi infectada pelo SARS-CoV-2 em março de 2020, poucos dias depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter decretado a pandemia de Covid-19.
Sem vacinas disponíveis à época, ela sobreviveu ao coronavírus após 11 dias de internação, parte destes na Unidade de Terapia Intensiva, mas até hoje vive com sequelas da Covid longa – sintomas que persistem ou surgem após meses da infecção pelo SARS-CoV-2. Fraqueza muscular, queda de cabelo, perda de memória e cansaço são algumas das manifestações que Laís, como é conhecida no Butantan, ainda sente e que afetaram sua qualidade de vida.
“Hoje em dia quando eu percebo que me esqueci de alguma coisa, sei que é questão de tempo para eu me lembrar. Mas por um bom tempo eu fiquei passando com vários profissionais para me tratar: pneumologista, fisioterapeuta, dermatologista, psiquiatra”, detalha.
Casos como o de Laís estão se tornando cada vez mais comuns, sobretudo pelo alto número de pessoas que foram infectadas pela Covid-19 e suas variantes ao longo dos mais de dois anos de pandemia no mundo. Um relatório da Sociedade de Medicina Ocupacional do Reino Unido (SMO, na sigla em inglês), afirma que a Covid longa deve ser considerada uma nova doença que afeta a saúde e o trabalho e que, por isso, precisa de uma resposta mais rápida das autoridades de saúde.
Efeitos duradouros da Covid
Um estudo escocês publicado recentemente na revista Nature Communications, com quase 100 mil participantes, reforça que a Covid longa pode deixar sequelas duradouras ou até permanentes em pessoas que se infectaram com o SARS-CoV-2. O artigo representa as primeiras descobertas de um estudo em andamento sobre a Covid longa – o Long-CISS (Covid in Scotland Study) feito pela Universidade de Glasgow.
Segundo a pesquisa, uma a cada 20 pessoas não se recuperou totalmente entre seis e 18 meses após a infecção, e 42% se recuperaram somente parcialmente. Por outro lado, os cientistas sugerem que os efeitos de longo prazo da Covid são praticamente improváveis em quem apresentou a doença de forma assintomática.
No estudo escocês, os sintomas mais comumente relatados incluíram falta de ar, palpitações, dor no peito e “névoa cerebral” ou acuidade mental reduzida.
Os sintomas se demonstraram piores entre as pessoas que chegaram a ser hospitalizadas durante a infecção aguda.
Impactos da Covid longa
No Reino Unido, ao menos 2 milhões de pessoas (3% da população) foram diagnosticadas com Covid longa e quase 800 mil relataram ter mantido este sintoma por ao menos um ano, segundo dados do Escritório de Estatísticas Nacionais citados no relatório da SMO. A prevalência do problema é maior entre adultos de 35 a 69 anos, faixa de idade economicamente ativa, o que reflete em um “potencial impacto econômico colossal”, segundo o relatório. “Apesar disso, a resposta do sistema de saúde tem sido lenta, variável e inadequada”, conclui o documento.
No caso de Laís, as muitas sessões de fisioterapia, o tratamento dermatológico para queda de cabelos, a atividade física moderada, entre as outras especialidades, foram necessárias para ela voltar a se sentir melhor e poder trabalhar. “Eu pude contar com meu plano de saúde para fazer tudo isso. Mas fico pensando em quem não pode, como que faz?”, questiona.
Porém, Laís continua a lidar com a perda de memória constante. “Sei que é importante me movimentar e trabalhar para ativar minha memória”, disse. Ainda segundo dados do governo britânico, a cada 1.250 pessoas infectadas pela Covid-19 no início 2020, apenas 8% voltaram a trabalhar da mesma forma de antes da doença.
Um estudo publicado na The Lancet em julho, que analisou dados de quase 4.000 pessoas com Covid-19 ou casos suspeitos de 56 países,relatou que 45,2% dos pacientes com Covid longativeram que reduzir sua jornada de trabalho em relação ao período anterior à doença. Além disso, 22,3% das pessoas analisadas não estavam trabalhando no momento do estudo por motivos que envolviam licença médica, demissão ou por não encontrarem um novo emprego.
Uma pesquisa online do The Belgian Health Care Knowledge Center relatou que 60% dos entrevistados que apresentaram sintomas com duração superior a quatro semanas, e estavam em um emprego remunerado antes da Covid-19,não estavam aptos para voltar ao trabalho. Mais de um terço (38%) ainda não estava trabalhando no momento da pesquisa, e26% trabalhando em período reduzido. Não foi observada diferença significativa entre hospitalizados e não hospitalizados.
Os sintomas com maior impacto no trabalho são fadiga, disfunção cognitiva, como dificuldade de concentração e perda de memória, ealterações no paladar e no olfato. Sendo assim, o retorno ao trabalho de um indivíduo com Covid longa geralmente requer o esforço combinado do próprio trabalhador e o cuidado do empregador e de profissionais de saúde, destaca o relatório da SMO, intitulado “Long COVID and Return to Work – What Works?”.
Vacinação ajuda a evitar a condição
Uma pesquisa recente publicada na The Lancet Infectious Diseases sugere que as chances de desenvolver a Covid longa foram reduzidas quase pela metade em pessoas vacinadas.
Outros dados publicados pelo Escritório de Estatísticas Nacionais do Reino Unido reforçam a ideia de que a vacinação diminui o risco de Covid longa – embora não o impeça totalmente. Segundo o documento, os adultos britânicos que receberam duas doses da vacina contra Covid-19, pelo menos duas semanas antes de contrair o vírus, tiveram um risco 41,1% menor de relatar sintomas atrelados à Covid longa semanas depois.
“Há evidências científicas que mostram que a vacinação pode prevenir sintomas graves e impedir que eles perdurem, o que poderia ter impacto nos casos de Covid longa”, explica a diretora de Ensaios Clínicos do Instituto Butantan, Fernanda Boulos.
Laisse percebeu o impacto da vacinação ao contrair Covid pela segunda vez, em 2022. “A segunda vez foi bem mais leve por causa da vacina”, explica ela. Ainda assim, o passar por uma bateria de exames, por precaução, ela descobriu uma alteração cardíaca que os médicos creditaram à Covid longa. “Se não fosse a vacina, e ainda com essa complicação cardíaca, não sei como seria”, diz.
Sintomas mais prevalentes
As cinco manifestações mais comuns da Covid longa são fadiga (58%), dor de cabeça (44%), distúrbio de atenção (27%), queda de cabelo (25%) e dispneia (24%). Dores articulares, perda de olfato, perda de paladar, acidente vascular cerebral e diabetes também foram relatados, segundo uma meta-análise veiculada em agosto na Nature, que analisou 15 estudos sobre os sintomas persistentes do coronavírus, com mais de 44 mil adultos que tiveram Covid-19 nas formas leve, moderada e grave.
A publicação trouxe os 55 sintomas mais prevalentes da Covid longa, e mostrou que ao menos 80% dos que contraíram o SARS-CoV-2, entre os analisados, relatam ao menos um sintoma de longa duração.
Outras manifestações relacionadas à Covid longa foram atreladas a doença pulmonar (tosse, desconforto torácico, redução da capacidade de difusão pulmonar, apneia do sono e fibrose pulmonar), cardiovascular (arritmias, miocardite), neurológica (demência, depressão, ansiedade, transtorno de atenção, transtorno obsessivo-compulsivo), além de sintomas inespecíficos, como queda de cabelo, zumbido e suor noturno. Alguns estudos relataram que a fadiga, assim como a polipneia (respiração ofegante) pós-atividade e a alopecia (queda de cabelos) foram mais comuns no sexo feminino.
A meta-análise aborda que, embora 80% das pessoas com Covid-19 confirmada apresentaram sintomas leves, 10% a 15% podem desenvolver sintomas mais graves, como pneumonia, desconforto respiratório agudo ou de órgãos multissistêmicos. Entre 5% e 36% das pessoas que se recuperam da Covid-19 podem ainda experimentar uma variedade de sintomas semanas ou meses após a infecção. Segundo os especialistas da SMO, a Covid longa, portanto, pode significar uma reviravolta negativa no combate à Covid-19.
As informações são do Instituto Butantan.