Depois de um ano e meio de pandemia do coronavírus, período no qual os sistemas de saúde por todo o mundo sobreviveram sob intenso estresse enquanto a ciência buscava (e ainda busca) vacinas e possíveis tratamentos para a doença pandêmica, uma luz finalmente parece surgir no túnel da crise sanitária, na medida em que a vacinação avança e o número de pacientes internados e de casos novos de Covid-19 diminui.
O possível fim dessa fase mais aguda da pandemia, no entanto, não representa e não representará o fim dos problemas sanitários. Isso porque, assim como acontece num conflito belicoso, a guerra contra a Covid-19 está deixando uma legião de sequelados, que demandam uma atenção especial do sistema de saúde. E em Curitiba, uma rede de atendimento já vem sendo montada e estruturada, desde o ano passado, para lidar com essa nova demanda.
Até aqui, não se sabe ao certo a quantidade de pessoas que sofrem ou sofrerão com a chamada pós-covid. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, já apontou que cerca de 10% dos infectados pelo coronavírus (e mesmo pessoas que tiveram quadros assintomáticos) sofreriam com algum sintoma persistente da doença 12 semanas após a infecção, sendo os mais comuns fadiga crônica, dificuldade cognitiva, persistência de dores no corpo e sequelas psicológicas (como transtorno do estresse pós-traumático).
Mais recentemente, uma pesquisa feita pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) trouxe outros dados aterradores: entre os pacientes que necessitaram de hospitalização, cerca de 70% apresentam algum tipo de sequela um ano depois de terem recebido alta hospitalar. No Paraná, onde 110.838 pessoas haviam sido hospitalizadas por Covid-19 até a última sexta-feira, isso representaria um contingente de aproximadamente 77.500 pessoas com sequelas que persistem um ano após a infecção, afetando seus sistemas nervoso, central, respiratório e/ou cardiovascular, o que demandaria atenção especializada e, não raro, multidisciplinar para sua recuperação.
Da gameterapia a planos terapêuticos
R.F., de 53 anos, teve 25% do pulmão comprometido e enfrenta dificuldade na retomada do ritmo de exercícios de antes. Ele, então, foi a um hospital do Governo Federal vinculado à Rede Ebserh/MEC e, por meio de jogos de videogame que captam movimentos do corpo, encontrou atividades especializadas para recuperar o condicionamento físico.
Essa prática terapêutica, chamada de gameterapia, atua em conjunto com exercícios aeróbicos e de resistência e, dependendo da necessidade do paciente, jogos de diversas modalidades (como tênis, boxe ou boliche) são inseridos na rotina. R.F., por exemplo, intercala o videogame com atividades na bicicleta ergométrica e treinos com halteres e faixas elásticas. “O atendimento é muito bom, me sinto melhor a cada sessão”, afirma.
Outros procedimentos terapêuticos, porém, também podem ser adotados. Foi o que aconteceu com o motoboy F.J.L., de 38 anos, que ficou 29 dias internado (e 17 intubado) após ser diagnosticado com Covid-19. Após receber alta, continuava fraco, sem forças para realizar atividades diárias, e foi encaminhado para um programa de reabilitação pulmonar pós-Covid, com oito semanas de duração e atividades três vezes por semana, sendo duas no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e uma em casa, com orientação do fisioterapeuta responsável. O HUB também oferece suporte de oxigênio por cateter nasal para quem ainda depende do oxigênio durante a realização das atividades.
Atendimento multiprofissional é o padrão
Em Curitiba, o Hospital Universitário Cajuru é um dos estabelecimentos de saúde que está atendendo, pelo SUS, pacientes com sequelas da Covid-19. Esse atendimento acontece no ambulatório pós-Covid, localizado no bairro Rebouças, onde os pacientes passam por um exame amplo, para avaliar todas as possíveis sequelas e orientar os tratamentos e terapias adequadas para cada caso, individualmente.
“O paciente passa pela pneumologia e a clínica médica, a fisioterapia faz avaliação funcional, respiratória, a psicologia faz triagem de depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, e ele ainda passa pela neuro-psicologia, para fazer testes de função cognitiva, e solicitamos o retorno em três meses”, explica Cristina Baena, pesquisadora do ambulatório.
“É a menor parte, felizmente, que evolui com sequelas, mas em torno de 30 a 40% dos pacientes de ambulatório vão precisar de tratamento especializado”, destaca. Ela aponta ainda que boa parte dos pacientes que chegam ao ambulatório são jovens.
ATENDIMENTO PÓS-COVID EM CURITIBA
HOSPITAL DE CLÍNICAS (HC)
Atualmente o HC-UFPR atende em ambulatórios os pacientes com quadros pós-Covid que foram tratados pelo próprio hospital, recebendo cerca de 80 pessoas por dia, mas já está implementando um Centro Multidisciplinar de tratamento, com investimento de R$ 1 milhão. O espaço contará com médicos de várias especialidades, assim como enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos. As atividades se basearão em três pilares: atendimento às sequelas causadas pela Covid; sequelas decorrentes do próprio tratamento, como perda de massa muscular, úlceras de pressão, disfagia e disfonia; e sequelas emocionais.
HOSPITAL CAJURU
O Hospital Universitário Cajuru, em parceria com a PUCPR, montou ainda em novembro do ano passado um ambulatório especializado em tratamento pós-Covid, que oferece atendimento especializado em pneumologia, fisioterapia respiratória e funcional, psicologia, neuropsicologia e cardiologia. O serviço é oferecido às quintas-feiras no ambulatório do Cajuru e recebe entre seis e oito pessoas por semana. O encaminhamento e agendamento da consulta é feito por uma Unidade Básica de Saúde (UBS) ou por hospitais do SUS, após a alta do paciente que enfrentou a doença pandêmica.
UTP
Para atender a comunidade, a Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) criou há alguns meses o Centro Integrado de Reabilitação Pós-Covid. Com participação de equipes das clínicas de Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia, Nutrição, Biomedicina e Enfermagem, os atendimentos são realizados pelos alunos dos cursos de graduação e pós-graduação da Tuiuti, sempre com a supervisão dos professores e responsáveis técnicos pelas respectivas clínicas.
UNIBRASIL
Desde março deste ano o curso de fisioterapia da UniBrasil atende pessoas com sequelas respiratórias, cardíacas, neurológicas ou motoras após contraírem o coronavírus. O atendimento é feito por acadêmicos do sétimo e oitavo período, sob orientação de professores. As consultas, que também acontecem de forma online, visam uma avaliação completa do quadro do paciente, para em seguida se definir todo o tratamento que será realizado. A cada dia, cerca de oito pessoas são atendidas (sem contar as sessões remotas).
PILAR HOSPITAL
Ao completar 57 anos no final de julho, a instituição, que atendeu mais de 900 pacientes acometidos pela Covid-19 desde o início da pandemia, anunciou a criação de um Centro de Cuidados Pós-Covid, que auxiliará os pacientes com sequelas como redução de força e resistência muscular, disfunção respiratória e comprometimento da mobilidade. O Centro de Cuidados fica ao lado do próprio hospital e realiza atendimentos em caráter particular ou via convênio.
PELO PARANÁ…
UNIVERSIDADES ESTADUAIS/HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS
Em outras regiões do estado, os hospitais universitários em Cascavel (no oeste paranaense), em Londrina (região norte) e em Ponta Grossa (nos Campos Gerais) atuam na reabilitação de pacientes com sintomas pós-Covid. Além disso, a Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) possui um projeto em parceria com a Prefeitura de Guarapuava, e o Hospital Regional de Maringá está firmando um convênio com a Câmara de Vereadores para implantar um centro de reabilitação pós-Covid.
Matéria do Portal Bem Paraná.