Matéria do Portal Bem Paraná.
Entre 10 e 20% das pessoas que contraem o novo coronavírus sofrem com sintomas da doença mesmo após se recuperarem da fase aguda da infecção. A estimativa é da Organização Mundial da Saúde (OMS) e consta no Relatório Europeu da Saúde 2021. E revela que, apenas no Paraná, mais de 200 mil pessoas sofreriam (ou virão a sofrer) com a condição clínica conhecida como long covid (também chamada no Brasil de Covid persistente ou Síndrome Pós-Covid), cujos sintomas são “imprevisíveis e debilitantes” e afetam também a saúde mental..
Desde que a pandemia do novo coronavírus passou a fazer parte do cotidiano do paranaense, em março de 2020, um total de 2.423.953 pessoas foram contaminadas no estado, sendo que 42.803 acabaram falecendo, segundo o Informe Epidemiológico mais recente divulgado pela Secretaria da Saúde do Paraná. Considerando ainda a estimativa da OMS, isso significa que entre 230 mil e 480 mil paranaenses sofrem ou sofrerão com a Sindrome Pós-Covid.
Em Curitiba, diversos estabelecimentos de saúde já estão atendendo pacientes com sequelas da Covid-19. No final do ano passado, por exemplo, o Complexo do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC-UFPR/Ebserh/MEC) inaugurou o Centro Avançado de Atenção Multiprofissional Pós-Covid-19. O Hospital Universitário Cajuru, bem como o Hospital São Vicente, o Pilar Hospital e a Universidade Tuiuti do Paraná (através do Centro Integrado de Reabilitação Pós-Covid), também realizam um trabalho interdisciplinar voltado para a recuperação daqueles com sintomas persistentes da doença pandêmica.
Segundo a Dra. Thatiane Nakadomari, médica infectologista do Hospital São Vicente Curitiba, após ter Covid-19 o paciente se recupera aos poucos. “Sempre depende da intensidade dos sintomas que teve, mas ele deve ir, aos poucos, melhorando”, explica ela, citando que a persistência de sintomas da doença por mais de três meses após o fim da infecção ou mesmo o surgimento de novos problemas de saúde podem ser indícios da Síndrome Pós-Covid. “Se passou de 30 dias [da infecção] e não houve melhora, é necessário procurar um auxílio médico”, indica.
Entre as disfunções mais comuns na Síndrome Pós-Covid estão dificuldade em perceer cheiros ou odores, fadiga, tosse seca, redução ou distorção do paladar, dor de cabeça, tontura, lentificação do raciocínio, perda de memória transitória, estresse pós-traumático (mais comum em pacientes que tiveram de ficar em UTI) e problemas gastrointestinais, como diarreia ou constipação.
“O que temos notado muito entre queixas dos pacientes em consultório, principalmente depois da segunda onda, é um cansaço excessivo, persistência dos sintomas respiratórios e fatores mais neurológicos – depressão, ansiedade, sonolência e esquecimento”, revela a Dra. Nakadomari, afirmando ainda que esses sintomas podem ocorrer em qualquer pessoa que teve Covid-19, inclusive uma infecção leve.
Indefinido: “Ainda não se sabe os efeitos da Covid-19 a longo prazo”
No já referido Relatório Europeu da Saúde 2021, a própria OMS reconhece que os dados sobre a Síndrome Pós-Covid ainda são escassos. Isso implica na necessidade de se realizar mais estudos sobre o assunto. Por exemplo, o National Institutes of Health (NIH), um dos principais conglomerados de centros de pesquisa dos Estados Unidos, começou a fazer um levantamento sobre a incidência desse problema.
“Alguns artigos científicos ainda apontam que esses sintomas podem ser simplesmente provocados por estresse. No caso do paciente que teve Covid leve isso ocorreria pelo medo que ele tinha de evoluir para um problema grave e daqueles que chegaram a ficar na UTI, devido a já conhecida Síndrome do Paciente Crítico, que causa vários sintomas. Ainda não se sabe os efeitos da Covid-19 a longo prazo, é algo que estamos começando a verificar agora”, aponta a Dra. Thatiane Nakadomari, médica infectologista do Hospital São Vicente Curitiba.
A especialista ainda ressalta que é sempre fundamental que o paciente procure auxílio médico quando há piora ou surgimento de novos sintomas após a Covid-19. “Já saíram alguns artigos sobre tratamento e recuperação de olfato junto à recuperação de paladar. Já temos manuais de reabilitação para fadiga, existe tratamento para depressão, reabilitação com fisioterapia respiratória e motora, entre outros. Os tratamentos são feitos conforme os sintomas e se o paciente adere e segue todos os cuidados, tende a se recuperar muito bem”, salienta a médica infectologista.
Aumento de transtornos psiquiátricos e piora na qualidade de vida
Dois estudos feitos no Brasil – um pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e outro por pesquisadores da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Minas Gerais – e divulgados recentemente trouxeram informações importantes sobre os impactos da Covid no médio e longo prazo.
O primeiro estudo, da USP, foi publicado na revista científica General Hospital Psychiatry e identificou, após a avaliação de 425 adultos que tiveram Covid-19 de forma moderada ou grave, que pacientes que tiveram Covid-19 registram maior incidência de transtornos psiquiátricos. A prevalência de transtorno mental comum neste grupo de pacientes pós-covid, por exemplo, foi de 32,2%, maior que o relatado na população geral brasileira (26,8%). Quanto ao diagnóstico de depressão, houve prevalência de 8%, superior ao da população geral brasileira (em torno de 4% e 5%). Transtornos de ansiedade generalizada estavam presentes em 14,1%, resultado também superior à prevalência na população geral brasileira (9,9%).
Além disso, os resultados psiquiátricos não foram associados a nenhuma variável clínica relacionada à gravidade da doença em fase aguda, ou seja, não foram mais preponderantes naqueles pacientes que apresentaram grau de inflamação maior, por exemplo.
Já o estudo da UFVJM, publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, revisou dezenas de artigos e observou que 15 a 56% dos pacientes que haviam sido internados com Covid-19 relataram problemas após estarem curados da infecção. Entre os problemas de ordem física, as mais relatadas foram dores e desconfortos, principalmente na região torácica, articular e mialgia generalizada. Outras sequelas, no âmbito mental, também afetaram a qualidade de vida dos pacientes, com problemas como ansiedade, depressão, estresse pós-traumático e medo de reinfecção.