Apesar de adultos homens constituírem o principal grupo de afetados, crianças e pessoas com doenças crônicas ou baixas defesas também correm o risco de contágio pela monkeypox (MPX), conforme informado em conferência pelo diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, no final de julho deste ano.
Essa advertência sobre os grupos vulneráveis, junto com o anúncio dos primeiros casos da doença registrados em crianças (que já chega a mais de 80 em vários países do mundo segundo o Serviço de Informação das Nações Unidas em Genebra), faz com que o crescente surto da MPX levante preocupações sobre seu potencial de propagação em grupos inesperados. Foi isso o que levou a OMS a declarar o surto uma emergência de saúde pública de interesse internacional.
Nesta entrevista, o pediatra e infectologista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Marcio Nehab, foi consultado sobre o contágio da MPX em crianças.
IFF/Fiocruz: Quais são os sinais e sintomas de monkeypox em crianças?
Marcio Nehab: A monkeypox deve ser considerada quando crianças ou adolescentes apresentam uma erupção cutânea que possa ser consistente com a doença, especialmente se houver critérios epidemiológicos presentes. Porém, a erupção da monkeypox pode ser confundida com outras doenças exantemáticas (aquelas que apresentam erupções da pele e que podem estar associada a doenças infecciosas comuns em crianças), como: varicela; doença da mão, pé e boca; sarampo, molusco contagioso, catapora, sarna e erupções cutâneas alérgicas.
Geralmente, a MPX se apresenta com os mesmos sintomas tanto para adultos quanto para crianças: começa com febre, dores de cabeça, musculares e nas costas, calafrios, linfonodos inchados, fadiga, seguidos de erupção cutânea. Até três dias depois de ter febre, o paciente pode desenvolver uma erupção cutânea no rosto e no corpo que progride para lesões crostosas na pele. As lesões podem afetar a face, palmas e plantas dos pés, e todo o corpo, membranas mucosas e, genitália. Também podem se apresentar com lesões em diferentes estágios de desenvolvimento com manchas, bolhas e crostas no mesmo momento.
Complicações raras da monkeypox incluem abscessos, obstrução das vias aéreas devido a linfadenopatia grave, celulite, encefalite, infecção secundária da pele, ceratite, pneumonia, sepse e doenças oculares que podem levar à perda de visão.
IFF/Fiocruz: Como se dá o contágio em crianças?
Marcio Nehab: A doença é transmitida principalmente através do contato pele a pele, prolongado e direto. Embora a maioria dos casos até agora tenham sido associados à atividade sexual, a monkeypox não é considerada uma infecção sexualmente transmissível. Assim, nas crianças, a enfermidade pode se espalhar por contato próximo com fluidos corporais de indivíduos infectados, como secreções respiratórias e por contato direto com lesões da pele e crostas. O contágio pode ser de pessoas ou animais, e também através de objetos contaminados (por hospedar um agente infeccioso que permite sua transmissão), por exemplo, pelas roupas, lençóis e toalhas.
Portanto, as pessoas podem transmitir a monkeypox para crianças por meio de contato, como beijos e abraços. Com relação ao contágio, também é importante lembrar que, no caso da MPX, não há transmissão antes de surgirem os sintomas.
IFF/Fiocruz: Qual o período de incubação da doença e qual a gravidade para crianças?
Marcio Nehab: Atualmente entende-se que o período de incubação da monkeypox (o tempo desde que uma pessoa é infectada até apresentar sintomas) é de cerca de 12 dias (com intervalo de 5 a 24 dias), apresentando erupção cutânea entre 2 e 4 dias depois. As pessoas com a doença podem transmiti-la enquanto apresentam sintomas, ou seja, entre as 2 e 4 semanas de duração.
Recém-nascidos, crianças pequenas, crianças com eczema ou outras condições de pele, e crianças com condições que levem à imunodepressão podem estar em maior risco de doença grave.
IFF/Fiocruz: Como é feito o tratamento da monkeypox em crianças?
Marcio Nehab: O tratamento deve ser considerado caso a caso para crianças e adolescentes com suspeita ou confirmação da enfermidade, que estão em risco de doença grave ou que desenvolvem complicações da doença. Tecovirimat é o medicamento antiviral de primeira linha para tratar a doença, inclusive em crianças e adolescentes. Por outro lado, crianças e adolescentes com exposição a pessoas com monkeypox suspeita ou confirmada podem ser elegíveis para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) com vacinação, imunoglobulina ou medicação antiviral. Só que, neste momento no Brasil, ainda não temos vacinas nem antivirais para profilaxia ou tratamento de infectados ou expostos. Além disso, cuidadores e pediatras devem estar atentos aos sinais de infecção secundária bacteriana da pele e pronta instituição antimicrobiana, caso a caso, se indicada.
IFF/Fiocruz: Quais são as principais formas de prevenção da doença em crianças?
Marcio Nehab: A prevenção da MPX entre crianças envolve a ação das famílias e cuidadores para supervisionar as práticas, a fim de evitar o contato com indivíduos contaminados com fluídos corporais e até objetos de outras pessoas. O uso da máscara bem ajustada e até a redução do número de cuidadores com a doença, quando possível, para crianças são essenciais na prevenção da propagação do vírus. Com o intuito de evitar a autoinoculação e doenças mais graves, uma atenção especial também deve ser dada por parte dos pais e responsáveis para evitar que crianças com monkeypox arranhem suas lesões ou toquem seus olhos.
Crianças e adolescentes que tiveram contato próximo de uma pessoa com monkeypox (por exemplo, contato doméstico, com outro membro da família, cuidador ou amigo) devem ser avaliados e receber Profilaxia Pós-Exposição (PEP) com JYNNEOS ou ACAM2000 (para crianças com mais de 12 meses) ou tratamento, quando indicado (no caso dos países e locais onde há os antivirais e as vacinas necessárias para combater essa doença).
IFF/Fiocruz: Qual é a eficácia da Profilaxia Pós-Exposição (PEP) para a enfermidade?
Marcio Nehab: Os dados ainda são limitados sobre a eficácia da PEP para crianças que foram expostas à monkeypox. Nenhum tratamento, uso de vacina e outros medicamentos estão atualmente licenciados para crianças ou adolescentes. No entanto, a PEP não deve ser esquecida em crianças ou adolescentes que sejam elegíveis. As decisões sobre a oferta de PEP devem levar em consideração o grau de exposição e o risco individual de doença grave do paciente. Nos países onde esses medicamentos estejam disponíveis ela está sendo utilizada caso a caso.
IFF/Fiocruz: O uso de vacina em crianças após exposição ao vírus é indicado?
Marcio Nehab: Quanto mais precoce uma criança ou adulto exposto ao MPX receber a vacina, caso haja indicação, maior o benefício. A indicação é que a vacina seja administrada dentro de 4 dias a partir da data de exposição, a fim de prevenir o início da doença. Se administrada entre 4 e 14 dias após a data de exposição, a vacinação pode reduzir os sintomas, mas pode não prevenir a doença.