13 de dezembro de 2022
A maioria dos brasileiros e brasileiras confia na ciência, embora, em tempos de pandemia, a confiança tenha diminuído. Eles e elas têm percepções e atitudes positivas sobre vacinação de modo geral e, em particular, em torno dos imunizantes contra a Covid-19, que consideram seguros, eficazes e importantes para proteger a saúde pública e acabar com a pandemia.
Esses são alguns dos resultados do estudo Confiança na ciência no Brasil em tempos de pandemia, conduzido pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia (INCT-CPCT), com sede na Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), divulgado nesta segunda-feira (12/12).
Os cientistas, especialmente aqueles de universidades e instituições públicas, também têm imagem positiva, sendo percebidos como honestos e responsáveis por um trabalho que beneficia a população, aponta a pesquisa, que teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Realizado por meio de entrevistas domiciliares, pessoais e individuais, usando a técnica de survey, o estudo aponta ainda que a maioria dos brasileiros acredita que as mudanças climáticas estão acontecendo e têm como causa a ação humana.
Por outro lado, acredita-se que os cientistas permitiram que ideologias políticas influenciassem suas pesquisas sobre o coronavírus durante a pandemia. Mesmo assim, os brasileiros parecem não ter dúvidas sobre os benefícios associados ao desenvolvimento científico. Apenas uma minoria (3,5%) afirma que a ciência não traz “nenhum benefício” para a humanidade. No total, foram entrevistadas 2.069 pessoas com 16 anos ou mais, entre agosto e outubro deste ano. A margem de erro da pesquisa é de 2,2%, em um intervalo de confiança de 95%.
A survey foi coordenada pelos pesquisadores Luisa Massarani, da COC/Fiocruz, Vanessa Fagundes, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Carmelo Polino, da Universidade de Oviedo (Espanha), Ildeu Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Yurij Castelfranchi, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Eles observam que a atitude das pessoas sobre a ciência, as vacinas e as mudanças climáticas, não depende apenas do conhecimento que possuem, mas também de valores, posicionamentos morais e visões políticas.
“Isso indica um cenário de desafios para gestores, cientistas, educadores e profissionais de comunicação, que precisam desenhar estratégias de comunicação pública da ciência que levem em consideração as especificidades de local, perfil de público e contexto”, alertam os pesquisadores no resumo executivo do estudo Confiança na ciência no Brasil em tempos de pandemia, indicando caminhos para o enfrentamento da questão.
Na avaliação deles, a percepção majoritariamente positiva do público sobre a ciência e os cientistas, bem como a falta de evidências da existência de um movimento organizado de “negacionistas da ciência” no país, são achados importantes para orientar estratégias mais efetivas de combate à desinformação, direcionadas a grupos específicos de pessoas, que reagem de forma diferente aos diversos tipos de comunicação. De forma semelhante, ressaltam, “o interesse pelo tema e a expectativa de benefícios para a população a partir da ciência, como qualidade de vida, oportunidades de emprego, equidade social, podem facilitar processos de aprendizado e apropriação social do conhecimento.”
Principais resultados
A maioria dos entrevistados (68,9%) declarou confiar ou confiar muito na ciência. A confiança não é considerada baixa, mas é menor do que indicam pesquisas recentes, como o Índice do Estado da Ciência, feito pela empresa 3M (EUA) em 2022, que apontou um índice de 90% na afirmação “eu confio na ciência”. Segundo os pesquisadores, a confiança “parece ter sido afetada negativamente por campanhas organizadas de desinformação, que cresceram em quantidade e impacto durante a pandemia de covid-19”. Apesar disso, eles recomendam cautela com comparações desse tipo, que podem não ser precisas “devido a diferenças na formulação das perguntas ou na apuração dos resultados”.
A pesquisa mostrou ainda que os cientistas estão entre as fontes de informação que mais inspiram confiança nos brasileiros e brasileiras. Dentre uma lista de profissionais previamente fornecida, as escolhas mais frequentes de fontes confiáveis de informação foram médicos (60,1%), cientistas (47,3%, dos quais 30,6% cientistas de universidades ou institutos públicos de pesquisa e 16,7% cientistas que trabalham em empresas) e jornalistas (36,4%). Artistas e políticos são aqueles citados com menor frequência, com 1,5% cada.
A survey quis saber também sobre nomes de cientistas e instituições de ciência brasileiros mais lembrados. Dos entrevistados, 8% disseram conhecer o nome de um cientista brasileiro, estando os médicos Oswaldo Cruz e Carlos Chagas entre os mais citados. Cientistas que se destacaram durante o período da pandemia por suas atividades de comunicação e divulgação da ciência, como as médicas Jaqueline Goes, da Universidade de São Paulo (USP), e Margareth Dalcolmo, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), também foram lembrados pelos entrevistados.
Mais de 25% dos entrevistados disseram se lembrar de alguma instituição que se dedique a fazer pesquisa científica no Brasil. Dentre as instituições mais citadas estão o Instituto Butantan, a Fiocruz e a USP.
Vacinas
Outro aspecto importante da pesquisa trata da percepção sobre as vacinas. Ela mostrou atitudes positivas tanto sobre vacinação em geral quanto sobre às vacinas contra a Covid-19. As vacinas são consideradas importantes para proteger a saúde pública para 86,7% dos entrevistados, além de ser percebidas como seguras (75,7%) e necessárias (69,6%). Por outro lado, a maior parte (46,4%) concorda que elas produzem efeitos colaterais que são um risco e há desconfiança em relação às empresas farmacêuticas que, para 40% dos que responderam à pesquisa, esconderiam os perigos das vacinas.
Especificamente sobre as vacinas contra a Covid-19, a maior parte dos entrevistados reconhece sua ajuda para acabar com a pandemia e para proteger das formas severas da doença, além de considerá-las eficazes e seguras. Para 46,7% dos entrevistados, o governo federal forneceu informações falsas sobre a vacina contra a Covid-19.
Contudo, cerca de 13% dos entrevistados declaram não pretender tomar doses de reforço da vacina contra a Covid-19 e quase 8% dos que têm filhos ou menores sob sua responsabilidade declaram não ter a intenção de vaciná-los. O perfil desta minoria foi traçado: os autores do estudo descobriram que, “além do acesso ao conhecimento, eles são profundamente diferentes por sexo e por valores”. Segundo os pesquisadores, a chance de recusar vacina aos filhos é muito maior entre os homens e cresce entre as pessoas que declaram que “o crescimento econômico e a criação de empregos devem ser prioridades máximas, mesmo quando a saúde da população sofra de algum modo”.
As perguntas feitas na survey permitiram construir um índice de percepção de risco das vacinas, cujos valores elevados indicam uma exagerada percepção dos riscos. A pesquisa revelou que a hesitação vacinal está em parte associada à escolaridade, à familiaridade com conceitos científicos e ao conhecimento de instituições científicas, sendo fortemente influenciada pelo grau de engajamento dos entrevistados na sociedade civil e na política, pelos posicionamentos econômicos e pelos valores.
A pesquisa indicou que “pessoas que declaram que os avanços econômicos devem ter prioridade sobre políticas de combate à desigualdade, ou que o mercado deve ter prioridade sobre a saúde, têm maiores chances de considerar elevado o risco das vacinas”. Aquelas que “participam menos da política, ou que expressam valores de tipo sexista (os homens são melhores que as mulheres na política, ou na ciência, ou devem ter prioridade nos empregos) são também os que têm maiores chances de expressar cautela ou medo sobre vacinação ou segurança das vacinas, mesmo controlando pelo efeito da renda e da escolaridade”, aponta o estudo do INCT-CPCT.
Mudança climática
A população brasileira concorda, em sua maioria, que as mudanças climáticas estão acontecendo (91%). Para menos de 6% elas não existem. Porém, segundo a pesquisa, há diferenças significativas entre aqueles que negam sua existência. Modelos de regressão mostram que a chance de um entrevistado declarar que não há mudança climática aumenta muito entre pessoas que também dizem não confiar na ciência ou cuja confiança na ciência diminuiu durante a pandemia.
A chance de negar a ocorrência de mudanças climáticas aumenta também entre pessoas com baixo grau de familiaridade com noções de ciência e, entre os brasileiros mais ricos que, em geral, possuem maior escolaridade e acesso à informação. De acordo com os pesquisadores que conduziram o estudo, “isso se deve ao fato de que, para além do conhecimento, aceitar as evidências científicas sobre o clima está associado a valores. A chance de ‘negacionismo climático’ aumenta, por exemplo, entre aqueles que declaram que o crescimento econômico deve ser priorizado em relação à saúde, assim como entre as pessoas que tendem a discordar de afirmações de paridade de gênero”, constatam.
Entre aqueles que acreditam que as mudanças climáticas estão acontecendo, 85,8% dizem que a causa é a ação humana, enquanto 12,4% acreditam que elas são provocadas por mudanças naturais do meio ambiente. O estudo constatou ainda que “é mais forte a sensação de consenso na comunidade científica sobre a causa das mudanças climáticas do que de divergências: 68% dos entrevistados afirmam que a maior parte dos cientistas concorda sobre a relação causal com a ação humana”. Já a opinião sobre os esforços nacionais para preservação do meio ambiente se divide: 30,6% concordam que o Brasil é um dos países que melhor preserva o meio ambiente e 42,8% discordam da afirmação.
De acordo com a survey, os brasileiros e brasileiras também acreditam que as mudanças climáticas estão prejudicando a qualidade de vida no Brasil (78,3%), que elas podem prejudicar a si e a suas famílias (81%) e, também, as próximas gerações (82,8%).
Mais detalhes estão disponíveis no sumário executivo da survey.
As informações são da Agência Fiocruz de Notícias.